quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Poema para um cigarro apertado.

quero acender
um palheiro daqueles,
baby, apertado,

mas, porra, acredita
que fiquei sem fogo?

sexta
meu isqueiro
ficou no teu carro,
antes de invadirmos
as primeiras horas
de sábado,
em chamas,
no fusca do amor,

acabou o fósforo
e meu fogão
não tem
acendimento automático.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O bar no final da rua.

Era uma noite quente em Garopaba e eu queria mamar umas cervejas. Preferia em casa, sossegado, mas não tinha cerveja em casa e a mercearia em frente já estava fechada àquela hora. Então não me restava outra saída, senão o bar no final da rua.

O problema do bar é que a gente corre o sério risco de cruzar com uns caras prontos para nos roubar a solidão, um desses que vem sentar ao seu lado e puxa conversa sobre qualquer assunto estúpido, esperando por sua amizade e compreensão.

Peguei o Do Amor e fui até o bar no final da rua.

Entrei no bar e caminhei lado a lado com o balcão, até a última cadeira, lá no final.

O lugar não estava cheio, uma meia dúzia de bebuns espalhados pelos cantos. Puxei a cadeira e sentei, apoiei os cotovelos no balcão e fiz sinal para o garçom, que se aproximou. – Cerveja! – Pedi.

Olhei o bar em volta, de leve, para não chamar a atenção. Reparei que havia um homem jogado no chão. Ele estava com o rosto coberto de sangue. Tinha um pouco de sangue no chão, também. Virei de volta e logo o garçom veio com minha cerveja. Sentou o copo e a garrafa bem na minha frente e olhando para o sujeito no chão puxou conversa.

- Pobre Johnny. – Disse, enchendo meu copo.
 Virei um gole.
- Levou uma surra.
 Virei mais um.
- Mexeu com a menina de um dos fregueses, e deu no que deu.
- Nada mal, um belo serviço. – Respondi.
- Não sente pena dele?
- Não.
- Ele está mal.
- É... E quem nunca esteve?
- Cara, você é frio...
- É a cerveja.
- Frio pra burro! Você não tem coração?
- Todos temos um.
- Digo, um coração piedoso. Que tenha compaixão pelo sofrimento humano...
- Andam dizendo por aí que não.
- E você, o que diz?
- Eu bebo. – Disse eu, entornando um dos bons.
– Cara, você é frio! - Disse o garçom, e virando-se para os fregueses do bar, exclamou. – Ei, pessoal, temos aqui um cara com o coração frio pra burro! – Todos pararam o que estavam fazendo e me olharam. – É, esse cara tem o coração de pedra! Acreditam que não sente nem um pingo de dó do Johnny?! – Houve um burburinho. Pude ouvir quando uma dona que bebia sozinha num canto do bar fez “Ó!”. Daí o garçom se afastou e todos voltaram a fazer o que faziam. Que dizer, não faziam muito, basicamente bebiam suas cervejas.

Levantei minha cerveja e virei uma boa mamada, goela abaixo. Matei meia garrafa. Tomei ar e matei a outra metade. Fiz sinal para o garçom, ele se aproximou. Dessa vez pedi logo duas, assim evitava ao máximo fazer com que ele se aproximasse de mim.

Estava concentrado em minhas cervejas, quando percebi que alguém sentou-se ao meu lado, dois lugares depois de mim, à direita. Não olhei, continuei concentrado em minha cerveja.

- Cara. – Disse o sujeito sentado ao meu lado, mas fingi não ouvir. Ele, então, chamou mais alto. – Cara! – Não havia outro jeito, tive que olhar. Era o tal do Johnny.
- Cara, você é frio.
- Andam dizendo que sim.
- Você tem coração de pedra...
- É.
- ... E eu não gosto de você.
- Tudo bem, não é a primeira pessoa que diz não gostar de mim. E no final das contas é mais fácil não gostar do que gostar.
- Quer dizer que não se importa que os outros não gostem de você?
- As pessoas já gastam tempo suficiente gostando da TV.
- Você é frio, cara, e me parece meio louco, também. – Daí ele se virou para os fregueses do bar e disse. – Ei, pessoal! Esse cara aqui disse que não liga a mínima se vocês não vão com a cara dele! – De novo um burburinho. E de novo um “Ó!” veio do fundo do bar. Eu nada disse, emborquei minha cerveja e dei uma mamada daquelas, melhor que a primeira. Quando terminei de mamar na cerveja o sujeito já tinha caído fora.

Na outra ponta do balcão, à direita, estava um casal, haviam recém chegado ao bar. Ele ficava dizendo coisas para ela, e acariciando o braço esquerdo dela, do punho até o cotovelo, depois descia de volta até o punho, e novamente fazia o caminho de volta ao cotovelo. Ela apenas ria e emborcava seu conhaque com gelo. Ele pedia mais e mais conhaque, não deixava o copo dela vazio um minuto. E ela ria, e ria, e derrubava o conhaque pela goela.

Voltei a me concentrar em minha cerveja. E segui o resto da noite ali bebendo, solitário do jeito de dava.

Já era bem tarde da madrugada quando paguei minha conta e saí. Na verdade o dono do bar colocou todo mundo para fora, então acabamos saindo todos juntos.

Entrei no Fusca do Amor, dei a partida, engatei a primeira e acelerei.

Logo à frente, caminhando pela calçada, encontrei o casal que estava no bar. Ele continuava dizendo coisas para ela e alisando o braço dela, e ela continuava rindo. Parei do lado deles e fiquei observando. Ela me viu e sorriu para mim, daí eu gritei para ela, - Ei, baby, sabe que você se parece com a Janis Joplin? Você é a Janis Joplin? – Ela, então, abriu ainda mais o sorriso e cambaleou em minha direção. Foi aí que o cara me olhou, e olhou para ela. – Deixa eu ir com ele, sou a Janis Joplin! – Disse ela para ele. – Janis, entre no meu carro. – Eu disse para ela. O sujeito, então, se enfureceu e bradou. – Cai fora, cara, ela está comigo! - Ela continuava cambaleando, e rindo. – Cai fora! – Gritou o sujeito.

E foi o que eu fiz, engatei a primeira e acelerei. Cheguei em casa, me joguei na cama, mas não dormi, fiquei ali em silêncio, pensando, ainda com vontade de beber cerveja.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Jazz.

Chico é fácil,
da próxima vez
vou citar Leminski
dizer que Boldrin
é deus!
e pôr um jazz.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Primeiro poema dessa madrugada que começa.



Tem um apartamento
do outro lado da rua
bem de frente pro meu

Lá dentro
tem uma mulher
em cima de uma escada
pendurando a cortina

Cada vez que
ela estica os braços
e o vento sopra
seu vestido me mostra
fartos pelos negros
e os contornos da bunda

Fico aqui
sentado no sofá
enquanto meus olhos
atravessam a rua

Até que a cortina
começa a correr o trilho

Ondas, vagões
e eu a ver navios
esperando o próximo trem passar.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Madrugada.

eu e ela
a gente sabe como beber
daí eu disse:
"te quero
sério
tua alma
teu corpo é teu
quero tua alma"

no que ela respondeu
"minha alma ja é tua...
faz tempo"

biquei meu vinho
daí eu disse:
"teu corpo é só o portal para tua alma
quero conectar e me expandir
que seja cósmico
e metafísico
que seja tudo
baby
de verdade"

"adoro quando você bebe"

"eu também adoro quando eu bebo"

"fala
aquelas coisas que eu gosto de ouvir
vou amar"

"vamos foder"

daí fomos lá pra dentro.

sábado, 16 de agosto de 2014

Esse mundo gira, cara.

               para o Velho.

cara, esse mundo, ele gira
já sacou isso?
cada dia é outra história
se você pôr à prova,
amanhã a guerra estoura
mais uma
e você passou o dia
todo o dia
fazendo planos
sem pensar nisso,
entende a jogada?
o plano secreto é esse:
não faça planos
nem se renda as tentações.
ta chovendo lá fora, agora
e toda gente correndo
fugindo da chuva
é esse mundo, cara, ele gira.

cara, ame, pra valer
ame pra valer
mas não o bastante
vou te dizer, nada
nada é o suficiente
use, mas não desperdice
seu amor
seus sapatos
suas promessas
sua tolice,
esse mundo gira
cria ventos, tempestades,
e leva embora seu dia
hoje você bebe
amanhã pode ser ressaca.

o mundo gira,
nossa, como gira
deixa teu mundo girar
cara, ele é teu
o que hoje, tão distante, não é
amanhã pode ser
e depois de amanhã, e depois
nem vai parecer
que já não foi.
deixa girar
e você vai sacar.

toque fogo, cara,
fogo ao teu juízo,
fogo ao que
foge ao teu juízo
o mundo gira
e amanhã, esteja certo
não serão nem brasas.
só cinzas.

matou a xarada?
bote fé, o mundo gira.

sábado, 5 de julho de 2014

Musicalizando: Seasick Steve.

Se você quer ouvir uma história legal e motivadora para continuar acreditando nos seus sonhos, então conheça a história de Seasick Steve.



sábado, 28 de junho de 2014

Do inverno.

o plano perfeito de hoje
era mais um daqueles
de pé quebrado,
que eu acabo abandonando
pelo caminho.

e me dando mal.

a culpa é da chuva.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Vicissitudes máximas.

Passava das três da madrugada, e essa mulher caminhava sozinha pela calçada. Chovia um pouco. Fazia um pouco de frio, também. Já tinha sido uma noite e tanto, aquela, mas concluí que um pouco mais de emoção não me faria mal. Encostei o Fusca do Amor na calçada e parei bem ao lado dela. Ela parou e me olhou, sem dizer nada. Entra aí, te dou uma carona, disse a ela. Ela nada disse, apenas deu a volta e parou ao lado da porta do carona. Puxei a maçaneta e abri a porta para que ela entrasse. Ela entrou e fechou a porta. Continuou em silêncio. Não me olhava, permanecia quieta olhando fixamente para frente. Ela não era nada mal, tinha lábios cheios de sangue e uma convicção compenetrada no olhar que por si só já fazia todo o restante valer a pena. Liguei o rádio, engatei a primeira e partimos.

- Baby, o que fazes sozinha na rua uma hora dessas?
- Briguei com meu marido, aquele filho-da-puta. Quis me matar com uma faca, olhe. – Ela esticou o braço direito na minha frente e pude ver um belo talho de faca. Tinha um pouco de sangue seco, também.
- Por Deus! Baby. O que você fez de errado?
- Nada. Não fiz nada.
- Mas ele quase te matou.
- Ele se deu mal, isso sim.
- Ah é?
- Consegui cravar uma punhalada naquele filho-da-puta. Em cheio, na barriga. Caiu no chão como um garotinho indefeso, gemendo de dor. Resolvi sair de casa para arejar a cabeça. Você fuma?
- Fumo. – Respondi. Ela, então, tirou um cigarro de sua bolsa e acendeu. E depois, gentilmente, pôs o cigarro nos meus lábios. Pude sentir delicadeza e ternura misturados com o sereno da madrugada. Segui dobrando esquinas. Avistei um bar aberto e encostei.

Os heróis não vêm do céu. Nenhum deles.

Entramos. O bar cheirava à dor, ou indecência, ou morte. Não sei dizer ao certo. Pedi quatro latas de cerveja. Que em seguida vieram e foram postas sobre a mesa. Abri uma, ela outra.

- Como se chama?
- Alvarêz.
- Nunca vi um nome desses. – Disse ela e seguiu entornando sua cerveja.
- Alvarêz Dewïzqe.
- Que nome é esse?
- Polonês. Meus pais eram poloneses. Dewïzqe é um sobrenome polonês. Alvarêz não, é colombiano. Antes de virem para o Brasil meus pais passaram algum tempo na Colômbia. Depois que minha mãe engravidou eles vieram para o Brasil, e como conheciam pouco daqui, resolveram pôr Alvarêz, que foi um nome que eles acharam legal.
- Você é estranho.
- Ó! Obrigado!
- Isso foi um elogio?
- As pessoas costumam me dizer isso. Eu gosto.

Ela riu e abriu a segunda. Matei minha primeira, também, e investi na segunda, também. Ela tirou um cigarro e acendeu. Em seguida pôs em meus lábios. Depois acendeu um para ela, também. Olhei o talho em seu braço, nada mal, um dos bons, uma lembrança para toda a vida. Ela poderia estar morta a essa hora e eu nem saberia. Certamente, àquela hora, havia um punhado de outras mulheres que não tiveram a mesma sorte. Um dia serei eu, e depois você; e os televisores, nem por isso, irão deixar de passar as mesmas novelas, políticos não irão deixar as falsas promessas, igrejas continuarão inchadas de preces estúpidas.

A cerveja irá perdurar até o fim dos tempos. Bote fé.

Ela pegou a lata suada e deslizou por todo o corte, para cima, para baixo. O sangue seco se misturou com a água e parecia como se o sangue tivesse brotado novamente. Fiz sinal para o garçom e ele trouxe mais quatro.

- Sangue combina com o que?
- Com fogo.
- Fogo, mesmo?
- Que combina com amor. Que combina...
- ... Com agonia e gloria.
- É. Você é legal.
- Você é estranho. E legal. Tem medo da morte?
- Não. Tenho medo da não-vida.
- Como assim?
- Deixa pra lá. Gosta de chupar?
- Hum?
- Chupar pintos?
- Nunca chupei um. Nem de meu marido. Nem de meus amantes.
- Houve muitos?
- Amantes?
- Isso.
- Sempre que meu marido me apronta alguma. Saio de casa e cato algum na rua, para me divertir um pouco. – Ela disse isso e se virou para trás numa gargalhada. Vi que seu pescoço era todo marcado com cicatrizes. Entornei um bom gole e gargalhei com ela.

Um cara levantou de sua mesa e seguiu cambaleante até o banheiro. De onde estávamos, era possível ouvir a maneira como vomitava forte, sem parar, sem parar. Depois silêncio, não se ouvia mais nada vindo do banheiro. Nem descarga, nem ninguém saindo de lá.

Estiquei-me e beijei sua boca. Ela apenas fechou os olhos e retribuiu, jogando sua língua de serpente para dentro de minha garganta. Fui até o balcão, peguei mais quatro com o garçom, paguei as doze, puxei ela pela mão e fomos para fora. Entramos no Fusca do Amor, dei a partida e seguimos. Virei à esquerda na bifurcação e segui pela estrada de terra. Eu conhecia o caminho, era o menos esburacado.  Encostei numa rua escura qualquer e me joguei para cima dela. Ela segurou minhas bolas e eu botei uma de suas grandes tetas para fora. (...). Garanti espaço e ela montou. (...). Eu vim e ela junto, no embalo. (...) Por Deus! Ela sacava do negócio.

Ainda tivemos tempos para mais uma, antes de o sol aparecer.

Guiei o Fusca do Amor até o endereço dela. Ela pediu meu número e eu inventei um número qualquer. Ela prometeu me ligar. Eu disse que seria muito bom se ela ligasse.


Não sei se o marido dela sobreviveu à facada. Abri o jornal do dia seguinte, mas pulei as páginas policiais. Fui direto aos classificados. Escolhi o nome mais bonito, Lílian, e disquei.

sábado, 3 de maio de 2014

Todo o vício do mundo

Caminhei até a farmácia, subi na balança e pensei, "que merda". Aguardei o casal à minha frente ser atendido.

- Aqui senhora, esse é o mesmo da receita, só que é mais baratinho.
- Quanto é?
- São três caixas desse, mais uma caixa desse outro. Cento e setenta e quatro reais.
- Mais vale morrer. - Intervim.
- É um trabalho, ele tem que tomar esses remédios, senão começa a falar sem parar, e não fala coisa com coisa. Não deixa eu nem o pai em paz. Ele era caminhoneiro, mas endoidou. Fomos hoje até São Pedro de Alcântara. Ele foi a viagem inteira 'desvia desse buraco, desvia daquele outro', e mexia nos óculos do pai e dizia que o óculos atrapalhava o pai a dirigir. Veja só, um rapaz de vinte e seis anos. Mas o problema todo foi a maconha, saiu por essas estradas e viciou-se em maconha. Ele mesmo diz, 'preciso fumar maconha', e pra se livrar do vício tem que tomar todos esses remédios. E não quer tomar, ficou um dia sem tomar os comprimidos e olha no que deu, fica totalmente agitado e falando sem parar, sem parar, sem parar. Já não sei o que faço, não tenho nem mais vontade de viver, sabe, tudo em função desse filho. Vinte e seis e assim, nesse estado. Tudo por causa da maconha. Agora vive dopado de remédio, senão endoida.
- Deus nos deu uma vida e tem gente que desperdiça assim. - Disse o pai.
- É. - Disse eu.
- Meu Deus, não sei o que faço. - Disse a mãe - Vou para casa dar o comprimido para ele. Boa noite.
- Boa sorte. - Disse eu a ela, e depois que saíram virei para o farmacêutico e pedi uma cartela de comprimidos para dor de cabeça. Paguei pelos comprimidos e voltei para casa. Tomei um e esperei que a dor cessasse. Peguei a garrafa e servi-me uma dose tripla de vodka. Estiquei-me no sofá, acendi um charuto e fiquei pensando em todos os vícios e viciados do mundo.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Misunderstood: Bad english.

          para D.

I still wonder
what was it
that we left
in the ashtray,

I paid the booze
the rent
to see,

I stayed with you
in and out
in the bars
in the hangovers
out on the weekend,

I accepted
all your
mistakes
misconducts
misbehaviors
mistresses
hoping that
at least
you would not miss
my phone number
my birth date
my love poems
my music
my name,

I got it,

I did it bad
bad as the misses of mine
as my booze
my love poems
my love calls
our love nights.

domingo, 20 de abril de 2014

Aberto 24 horas.

           para S.

Nessa imensidão
onde você tinha de tudo
24h por dia
pela metade do preço
hoje se vê uma placa
pendurada na porta
dizendo:
faliu.

lá dentro tem um homem
encostado na parede
sentado no chão
vigiando o que restou
sabendo que os dias glórios
voltarão, um dia
sob nova direção.

sábado, 15 de março de 2014

Pelo país do fututo.

Não quero viver esperando o futuro
Quem sabe eu embarque numa louca viagem
Porque o tempo, o tempo, corre com pressa
E há pedras e flores por todo caminho
        Flores por todo caminho

Quem sabe eu vá para bem longe
Além do alcance dos olhos e das mãos
Bem longe das promessas absurdas
Das mesmas respostas para as mesmas perguntas
            Sempre as mesmas perguntas

Vou me eleger governante de mim mesmo
Caminhar descalço sem ser vigiado
E não será pecado a cor de meus sonhos
Nem será crime o eco de minhas palavras
        Nem a cor de meus sonhos

quinta-feira, 6 de março de 2014

Chuva na brasilit.

Era fim de janeiro, o que batia com o fim do meu veraneio na cidadezinha ao sul da capital.

Há oito anos vinha sendo assim, passava o natal e então eu jogava minhas coisas dentro do Do Amor e acelerava pela BR 101 da capital rumo ao sul.

Naquela noite eu estava só, em casa, já passava das dez da noite e eu bicava umas verdinhas enquanto curtia o barulho da chuva na brasilit e ouvia um disco do Almir Sater.

De repente ouvi uns gritos vindos da rua, mas não dei importância.

Novamente os gritos e então resolvi conferir o que era.

Havia uma tremenda briga na casa do outro lado da rua, que ficava há uns trezentos e tantos metros distante da minha. Era um casal, ele bradava e ela gritava, “sua vagabunda” “porco covarde!”, pow paf pluft doin,”eu vou te matar!” “ahhhh! ohhhh!covarde! covarde! para! ahhhh! uhhhh”, creck  tump dump pá, ”não me bate, para, ohhh! ahhhhhh!”. O couro comia pra valer. Eu pouco conseguia ver, pois o mato do sítio ao lado dificultava minha visão. Via apenas a luz da varanda acesa e um movimento de pessoas dentro da casa. Mas o que eu ouvia não era brincadeira, o filho da puta estava surrando a mulher para valer, sem dó, e olha que ela gritava. O negócio não parava, a quebradeira era geral, parecia cena de rádio-novela dos anos cinquenta, tal era a riqueza sonoplástica do evento.

“Desgraçado!”, pensei, “vai acabar matando a mulher”. Dei mais duas bicadas na minha cerveja, entrei, passei a mão no telefone e disquei 190.

- Policia Militar de Santa Catarina, boa noite.
- Companheiro, acontece o seguinte, o maldito do meu vizinho está dando um coro daqueles na mulher, pelo que eu ouço daqui ele deve estar quebrando ela toda, e não alivia.
- Você os conhece?
- Moram aqui há pouco tempo.
- Estão brigando na rua?
- Dentro de casa e no quintal. Oras, que diferença isso faz? Venham logo ou ela não vai aguentar por mais muito tempo!
- Senhor, nesse caso não podemos fazer nada. Apenas se a vítima ligar dando queixa do agressor.
- Mas como ela vai ligar se o cara tá moendo ela na porrada e quebrando a casa toda? Manda uma viatura passar em frente a casa, pelo menos. Faça alguma coisa, homem!
- O que posso fazer é dar o telefone da polícia militar aí da sua região.
- Manda. – Peguei uma caneta e um pedaço de papel e anotei o número. Disquei.
- Policia Militar de Garopaba, boa noite.
- O negócio tá feio, amigo, meu vizinho tá arrancando o couro da mulher, uma surra daquelas.
- Onde fica?
- Aqui na Estrada Geral do Ouvidor, rua assim, casa tal.
- Estamos mandando uma viatura aí agora mesmo.
- Se apressem! – E desliguei. Voltei para frente de casa. Ela gritava e chorava e ele não aliviava, “ahhh porco covarde ahhhh” “Vou te matar sua piranha”, crash tap tap pá, “covarde para ahhhhhh” “volta aqui”, trash pow ta pá, “porco covarde” “vagabunda”. O couro comia e não aliviava. Fiquei aguardando a chegada da polícia, mas tudo o que via era que o cara estava determinado a lascar ela toda.

O tempo foi passando, nada de a polícia chegar, eu bicava minha verdinha de butuca no movimento. Aos poucos a briga foi se abrandando, até que finalmente ele cansou de bater na mulher e quebrar a casa e o silêncio se reestabeleceu, a não ser pelo som da chuvinha leve que tocava o gramado. “Foram dormir”, pensei ,“ou então o filho da puta conseguiu matar ela”. Não demorou e eu também entrei e tranquei a porta, liguei no Almir novamente e desenrosquei a tampa de mais uma verdinha.

Fiquei com aquela cena de violência doméstica na cabeça, “será que ele realmente deu fim nela?”, pensei, “talvez não, eles devem ter ido os dois dormir, amanhã vai ser um dia daqueles”, fiquei pensando, “vai que depois de tudo aquilo eles se jogaram na cama e fizeram um amor bem gostoso e...”, até que finalmente peguei no sono.

No dia seguinte a casa do vizinho estava em silêncio e sem nenhum movimento. Logo ali onde o movimento no quintal era constante durante o dia, onde a música não parava de tocar. O dia inteiro, todos os dias, aqueles vizinhos ouviam música das boas, em som alto, tanto que durante o dia eu dificilmente colocava música em casa, deixava a trilha sonora do vizinho embalar o dia. “Será que ele fodeu com o aparelho de som?”, pensei, ”não deve ter sobrado nada na sala daquela casa”.

No final do dia percebi um movimento vindo de lá. Dois homens colocavam um container de lata em cima do bagageiro de um carro. Depois de amarrarem o latão, um entrou no carro e partiu e o outro voltou para dentro de casa. Logo a noite chegou e a rua se acalmou. Fiquei lá bicando minhas verdinhas e ouvindo os grilos no quintal dos fundos.

No dia seguinte acordei e liguei o rádio no programa de notícias policiais, imaginando que pudesse ouvir a notícia de que um corpo fatiado em partes havia sido encontrado dentro de um latão nas dunas da região, mas não ouvi nenhuma notícia que pudesse dizer respeito ao que havia ocorrido na casa em frente.

Antes do almoço peguei minha câmera fotográfica para fotografar uns galos e galinhas no final da estrada, aproveitei para passar em frente a casa do vizinho. Me espantei quando a vi de pé na varanda com o telefone na mão. “Quero manicure e pedicure”, ela dizia ao telefone. Quando percebeu que eu passava me olhou. Dei uma olhada rápida nela, mas não pude perceber nada de errado, só pude notar que ela era um pedaço bom de mulher, jovem. Cheguei no final da estrada, quase na esquina com a geral, mas não encontrei as galinhas. Havia uma poça d’água na estrada de terra, mirei a câmera e disparei. Lá estava, uma bela foto de uma poça cheia de água lamacenta.

No final do dia subi em minha bicicleta e fui até o mercado comprar pão e um pé de alface, aproveitei e passei em frente à casa do vizinho. Deu que ela estava lá novamente, na varanda, dessa vez de biquíni e um shortinho jeans bem curto. Era realmente um pedaço bom de mulher. Segui pedalando com a imagem dela parada na varanda na cabeça. Senti vontade de fodê-la, meu pau ficou duro, talvez ela estivesse a fim de dar o troco no cara, uma pulada de cerca não seria nada mal, principalmente se a cerca escolhida fosse a minha, foderia ela com força se ela gostasse. A merda seria se o cara descobrisse, aí eu estaria numa enrascada daquelas, encontro marcado com o capeta. No caminho até o mercado lembrei-me de uma ex namorada que gostava que eu puxasse seus cabelos e desse tapas em sua bunda enquanto a fodia.

No início da noite passei um café e preparei um sanduiche de pão com alface e tomate. Mais tarde fui até a casa do Nico, meu vizinho, levar duas mudas de cajueiro cuja castanha eu havia plantado em caixas tetrapak e três semanas depois já cresciam vigorosas. A primeira muda eu plantara no quintal no início da semana. Explicava a ele a melhor maneira de plantar e tratar das mudas e conversa vai, conversa vem, comentei com ele sobre a cena que eu havia presenciado duas noites atrás. Nico ficou surpreso por não ter ouvido nenhum barulho, mas nada surpreso com a cena que narrei.

- Outro dia, rapaz, estava conversando com o Teco e ele me contou que os dois estão quase toda noite no bar da Bita enchendo a cara e batendo boca, brigam o tempo todo.
- Eita, merda.
- Não que justifique ele fazer o que fez, mas já estão acostumados com essa vida.
- A coisa foi feia. – Eu disse, e ficamos lá falando das coisas que acontecem e prevendo o que estava por vir, até que o assunto acabou e nos despedimos - Nico, vou nessa, amanhã pego estrada! – Apertamos as mãos e voltei pra casa.

No dia seguinte, enquanto guardava minha bagagem no Do Amor, notei que o vizinho voltara a colocar boa música em alto volume. Concluí, então, que o estéreo havia se livrado da fúria dele naquela noite. Tocava The Weight, “nada mal”, pensei, “não é que o desgraçado tem mesmo bom gosto!”. “Esses malditos são assim, demonstram boas qualidades, mas na hora que o bicho pega se mostram verdadeiros filhos d’uma puta!”, fiquei pensando enquanto dava por encerrada minha temporada de verão na cidadezinha.

Tirei o Do Amor da garagem, manobrei, atravessei o quintal e o portão de entrada. Parei, coloquei em ponto morto e puxei o freio de mão. Desci do Fusca.

Tranquei o portão e passei o cadeado. Entrei de volta no Do Amor, engatei a primeira e acelerei. Liguei o som no carro e escolhi um disco com os sucessos do Seasick Steve. Já estava na geral quando toquei o dedo no botão de desligar do som e fiquei cantarolando uma canção.

“I picked up my bag and went looking for a place to hide
When I saw Carmen and the devil walking side by side
I said, hey Carmen, come on, let’s go downtown
She said, I gotta go, but my friend can stick around…
Take a load of Fannie, Take a load for free
Take a load of Fannie and… and… and!
You put the load right on me!”

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Bagdah.

             para D.

Ando,
   olho as horas
      e lembro de você.

Bagdah, 4:20.

Olho para o céu,
   espero
mas não te vejo chegar.

E eu cada vez mais triste.

A última vez
   que você veio, pediu
mas não fui te esperar.

Vou esconder meu rosto
Com aquela
   velha
      camiseta preta.

Percebe
   como é fácil
      descarrilhar?

Não sei soltar o verbo.

Uso os verbos tristes
  que li em teu
     sorriso.

Não posso mais,
   Bagdah

Perdi a hora.
  
Que um dia
   possa te encontrar
      refeita.