quinta-feira, 6 de março de 2014

Chuva na brasilit.

Era fim de janeiro, o que batia com o fim do meu veraneio na cidadezinha ao sul da capital.

Há oito anos vinha sendo assim, passava o natal e então eu jogava minhas coisas dentro do Do Amor e acelerava pela BR 101 da capital rumo ao sul.

Naquela noite eu estava só, em casa, já passava das dez da noite e eu bicava umas verdinhas enquanto curtia o barulho da chuva na brasilit e ouvia um disco do Almir Sater.

De repente ouvi uns gritos vindos da rua, mas não dei importância.

Novamente os gritos e então resolvi conferir o que era.

Havia uma tremenda briga na casa do outro lado da rua, que ficava há uns trezentos e tantos metros distante da minha. Era um casal, ele bradava e ela gritava, “sua vagabunda” “porco covarde!”, pow paf pluft doin,”eu vou te matar!” “ahhhh! ohhhh!covarde! covarde! para! ahhhh! uhhhh”, creck  tump dump pá, ”não me bate, para, ohhh! ahhhhhh!”. O couro comia pra valer. Eu pouco conseguia ver, pois o mato do sítio ao lado dificultava minha visão. Via apenas a luz da varanda acesa e um movimento de pessoas dentro da casa. Mas o que eu ouvia não era brincadeira, o filho da puta estava surrando a mulher para valer, sem dó, e olha que ela gritava. O negócio não parava, a quebradeira era geral, parecia cena de rádio-novela dos anos cinquenta, tal era a riqueza sonoplástica do evento.

“Desgraçado!”, pensei, “vai acabar matando a mulher”. Dei mais duas bicadas na minha cerveja, entrei, passei a mão no telefone e disquei 190.

- Policia Militar de Santa Catarina, boa noite.
- Companheiro, acontece o seguinte, o maldito do meu vizinho está dando um coro daqueles na mulher, pelo que eu ouço daqui ele deve estar quebrando ela toda, e não alivia.
- Você os conhece?
- Moram aqui há pouco tempo.
- Estão brigando na rua?
- Dentro de casa e no quintal. Oras, que diferença isso faz? Venham logo ou ela não vai aguentar por mais muito tempo!
- Senhor, nesse caso não podemos fazer nada. Apenas se a vítima ligar dando queixa do agressor.
- Mas como ela vai ligar se o cara tá moendo ela na porrada e quebrando a casa toda? Manda uma viatura passar em frente a casa, pelo menos. Faça alguma coisa, homem!
- O que posso fazer é dar o telefone da polícia militar aí da sua região.
- Manda. – Peguei uma caneta e um pedaço de papel e anotei o número. Disquei.
- Policia Militar de Garopaba, boa noite.
- O negócio tá feio, amigo, meu vizinho tá arrancando o couro da mulher, uma surra daquelas.
- Onde fica?
- Aqui na Estrada Geral do Ouvidor, rua assim, casa tal.
- Estamos mandando uma viatura aí agora mesmo.
- Se apressem! – E desliguei. Voltei para frente de casa. Ela gritava e chorava e ele não aliviava, “ahhh porco covarde ahhhh” “Vou te matar sua piranha”, crash tap tap pá, “covarde para ahhhhhh” “volta aqui”, trash pow ta pá, “porco covarde” “vagabunda”. O couro comia e não aliviava. Fiquei aguardando a chegada da polícia, mas tudo o que via era que o cara estava determinado a lascar ela toda.

O tempo foi passando, nada de a polícia chegar, eu bicava minha verdinha de butuca no movimento. Aos poucos a briga foi se abrandando, até que finalmente ele cansou de bater na mulher e quebrar a casa e o silêncio se reestabeleceu, a não ser pelo som da chuvinha leve que tocava o gramado. “Foram dormir”, pensei ,“ou então o filho da puta conseguiu matar ela”. Não demorou e eu também entrei e tranquei a porta, liguei no Almir novamente e desenrosquei a tampa de mais uma verdinha.

Fiquei com aquela cena de violência doméstica na cabeça, “será que ele realmente deu fim nela?”, pensei, “talvez não, eles devem ter ido os dois dormir, amanhã vai ser um dia daqueles”, fiquei pensando, “vai que depois de tudo aquilo eles se jogaram na cama e fizeram um amor bem gostoso e...”, até que finalmente peguei no sono.

No dia seguinte a casa do vizinho estava em silêncio e sem nenhum movimento. Logo ali onde o movimento no quintal era constante durante o dia, onde a música não parava de tocar. O dia inteiro, todos os dias, aqueles vizinhos ouviam música das boas, em som alto, tanto que durante o dia eu dificilmente colocava música em casa, deixava a trilha sonora do vizinho embalar o dia. “Será que ele fodeu com o aparelho de som?”, pensei, ”não deve ter sobrado nada na sala daquela casa”.

No final do dia percebi um movimento vindo de lá. Dois homens colocavam um container de lata em cima do bagageiro de um carro. Depois de amarrarem o latão, um entrou no carro e partiu e o outro voltou para dentro de casa. Logo a noite chegou e a rua se acalmou. Fiquei lá bicando minhas verdinhas e ouvindo os grilos no quintal dos fundos.

No dia seguinte acordei e liguei o rádio no programa de notícias policiais, imaginando que pudesse ouvir a notícia de que um corpo fatiado em partes havia sido encontrado dentro de um latão nas dunas da região, mas não ouvi nenhuma notícia que pudesse dizer respeito ao que havia ocorrido na casa em frente.

Antes do almoço peguei minha câmera fotográfica para fotografar uns galos e galinhas no final da estrada, aproveitei para passar em frente a casa do vizinho. Me espantei quando a vi de pé na varanda com o telefone na mão. “Quero manicure e pedicure”, ela dizia ao telefone. Quando percebeu que eu passava me olhou. Dei uma olhada rápida nela, mas não pude perceber nada de errado, só pude notar que ela era um pedaço bom de mulher, jovem. Cheguei no final da estrada, quase na esquina com a geral, mas não encontrei as galinhas. Havia uma poça d’água na estrada de terra, mirei a câmera e disparei. Lá estava, uma bela foto de uma poça cheia de água lamacenta.

No final do dia subi em minha bicicleta e fui até o mercado comprar pão e um pé de alface, aproveitei e passei em frente à casa do vizinho. Deu que ela estava lá novamente, na varanda, dessa vez de biquíni e um shortinho jeans bem curto. Era realmente um pedaço bom de mulher. Segui pedalando com a imagem dela parada na varanda na cabeça. Senti vontade de fodê-la, meu pau ficou duro, talvez ela estivesse a fim de dar o troco no cara, uma pulada de cerca não seria nada mal, principalmente se a cerca escolhida fosse a minha, foderia ela com força se ela gostasse. A merda seria se o cara descobrisse, aí eu estaria numa enrascada daquelas, encontro marcado com o capeta. No caminho até o mercado lembrei-me de uma ex namorada que gostava que eu puxasse seus cabelos e desse tapas em sua bunda enquanto a fodia.

No início da noite passei um café e preparei um sanduiche de pão com alface e tomate. Mais tarde fui até a casa do Nico, meu vizinho, levar duas mudas de cajueiro cuja castanha eu havia plantado em caixas tetrapak e três semanas depois já cresciam vigorosas. A primeira muda eu plantara no quintal no início da semana. Explicava a ele a melhor maneira de plantar e tratar das mudas e conversa vai, conversa vem, comentei com ele sobre a cena que eu havia presenciado duas noites atrás. Nico ficou surpreso por não ter ouvido nenhum barulho, mas nada surpreso com a cena que narrei.

- Outro dia, rapaz, estava conversando com o Teco e ele me contou que os dois estão quase toda noite no bar da Bita enchendo a cara e batendo boca, brigam o tempo todo.
- Eita, merda.
- Não que justifique ele fazer o que fez, mas já estão acostumados com essa vida.
- A coisa foi feia. – Eu disse, e ficamos lá falando das coisas que acontecem e prevendo o que estava por vir, até que o assunto acabou e nos despedimos - Nico, vou nessa, amanhã pego estrada! – Apertamos as mãos e voltei pra casa.

No dia seguinte, enquanto guardava minha bagagem no Do Amor, notei que o vizinho voltara a colocar boa música em alto volume. Concluí, então, que o estéreo havia se livrado da fúria dele naquela noite. Tocava The Weight, “nada mal”, pensei, “não é que o desgraçado tem mesmo bom gosto!”. “Esses malditos são assim, demonstram boas qualidades, mas na hora que o bicho pega se mostram verdadeiros filhos d’uma puta!”, fiquei pensando enquanto dava por encerrada minha temporada de verão na cidadezinha.

Tirei o Do Amor da garagem, manobrei, atravessei o quintal e o portão de entrada. Parei, coloquei em ponto morto e puxei o freio de mão. Desci do Fusca.

Tranquei o portão e passei o cadeado. Entrei de volta no Do Amor, engatei a primeira e acelerei. Liguei o som no carro e escolhi um disco com os sucessos do Seasick Steve. Já estava na geral quando toquei o dedo no botão de desligar do som e fiquei cantarolando uma canção.

“I picked up my bag and went looking for a place to hide
When I saw Carmen and the devil walking side by side
I said, hey Carmen, come on, let’s go downtown
She said, I gotta go, but my friend can stick around…
Take a load of Fannie, Take a load for free
Take a load of Fannie and… and… and!
You put the load right on me!”

Um comentário:

  1. e quando voce volta pra sabermos a continuação,rs. eu pensei que fosse encontrar o capeta, juro que pensei.

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