sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Dylan, Bukowski, violão e uma dona.

Era o diabo de uma noite quente, daquelas. Era, também, a última noite da temporada de verão no Bar de Tróia, boa parte dos turistas já tinham ido embora para suas casas, o que deixou a cidade e o bar quase vazios, naquela noite. Não importava, lá estava eu e meu violão mandando ver nos clássicos de Bob Dylan, Neil Young e Alvarêz Dewïzqe madrugada à dentro.

Havia uma dona sentada lá no fundo do bar, bebendo e fumando, sozinha. Resolvi fazer um intervalo antes do programado e ir lá sentar com ela.

- Baby.
- Oi.
- Sozinha aqui no canto escuro do bar?
- Sim, te vendo cantar. Adoro Bob Dylan.
- Ele é o melhor.
- Gosto mais da tua voz.
- Baby, ele é o melhor.
- Já terminou o show?
- Não, parei para um intervalo.
- E eu já estou indo, amanhã levanto cedo para trabalhar.
- Espere mais um pouco, peça outra cerveja, fique até o final e depois a gente bebe junto, a noite ainda é jovem.

Ela fiz sinal para o garçom trazer mais uma e eu voltei para meu posto e mandei mais algumas do meu repertório, louco que o relógio batesse em 3.AM para eu desligar meu violão e ir sentar com aquela dona.

Havia tristeza em seu olhar. Ela me olhava, tragava seu cigarro e bicava sua cerveja. Qualquer que fosse a música ou vento que soprasse, lá estava ela com seus olhos grudados em mim, me convidando para largar o palco e levá-la embora.

Às 3 eu agradeci a presença das poucas moscas de bar presentes naquela noite, desliguei tudo  e fui lá sentar com ela. Ela pediu uma cerveja para mim. Bebemos e conversamos um pouco sobre a vida. Ela era quinze anos mais velha que eu, havia perdido o marida há cinco anos e a filha há um e meio. Estava nesse emprego temporário de verão e não sabia se continuaria por ali ou se voltaria para sua cidade natal. Mas tudo isso era para o dia seguinte, foi até o balcão, pediu mais algumas cervejas, fechou a conta e me carregou para o apartamento dela.

Estacionei o Do Amor bem em frente ao prédio onde ela morava. Subimos um lance de escadas até a porta de seu apartamento. Entramos. Saquei uma de suas cervejas, que ela havia gentilmente guardado no congelador de seu refrigerador, abri e mandei uma mamada daquelas, goela abaixo.

- Bukowski! – Disse ela, sorrindo.
- Como?
- Bukowski, o escritor. Você parece o Bukowski, tem esse jeitão...
- Charles Bukowski, baby, é dele que você está falando?
- Conhece?
- Ele é o melhor.
- Como o Dylan...
- Isso. – Mandei mais uma mamada, larguei a garrafa sobre a mesa e sem mais meia palavra colei minha boca na dela. Joguei a língua lá dentro e num instante estávamos jogados um sobre o outro no sofá-cama da sala.

Desespero. Era isso. A noite da celebração do desespero, pelas perdas dela, que nem o nome eu sabia, e pela minha solidão. Fútil e histérico, como o assassinato ao vivo em rede nacional e a liquidação de inverno. O inferno que nos espera em seus braços quentes e afetuosos, não só uma, mas dezenas de vezes e mortes e promessas não cumpridas. Um barquinho branco contra a luz do sol, deformando o horizonte, voltando para casa sem peixes. A galinha constipada dos ovos de ouro. O medo do sol, terrível, nos jogando na cara todas as verdades que tentamos em vão afogar, mais uma vez, na noite passada. E no fim só nos resta a heróica covardia para nos manter vivos. Uma mulher nua sobre o sofá e toda verdade sobre a humanidade.

Trepamos. Bebemos. Fumamos. Falamos todo tipo de bobagem e depois rimos de tudo. Até o sol aparecer.