Era uma noite quente em Garopaba e eu queria mamar umas cervejas. Preferia em casa, sossegado, mas não tinha cerveja em casa e a mercearia em frente já estava fechada àquela hora. Então não me restava outra saída, senão o bar no final da rua.
O problema do bar é que a gente corre o sério risco de cruzar com uns caras prontos para nos roubar a solidão, um desses que vem sentar ao seu lado e puxa conversa sobre qualquer assunto estúpido, esperando por sua amizade e compreensão.
Peguei o Do Amor e fui até o bar no final da rua.
Entrei no bar e caminhei lado a lado com o balcão, até a última cadeira, lá no final.
O lugar não estava cheio, uma meia dúzia de bebuns espalhados pelos cantos. Puxei a cadeira e sentei, apoiei os cotovelos no balcão e fiz sinal para o garçom, que se aproximou. – Cerveja! – Pedi.
Olhei o bar em volta, de leve, para não chamar a atenção. Reparei que havia um homem jogado no chão. Ele estava com o rosto coberto de sangue. Tinha um pouco de sangue no chão, também. Virei de volta e logo o garçom veio com minha cerveja. Sentou o copo e a garrafa bem na minha frente e olhando para o sujeito no chão puxou conversa.
- Pobre Johnny. – Disse, enchendo meu copo.
Virei um gole.
- Levou uma surra.
Virei mais um.
- Mexeu com a menina de um dos fregueses, e deu no que deu.
- Nada mal, um belo serviço. – Respondi.
- Não sente pena dele?
- Não.
- Ele está mal.
- É... E quem nunca esteve?
- Cara, você é frio...
- É a cerveja.
- Frio pra burro! Você não tem coração?
- Todos temos um.
- Digo, um coração piedoso. Que tenha compaixão pelo sofrimento humano...
- Andam dizendo por aí que não.
- E você, o que diz?
- Eu bebo. – Disse eu, entornando um dos bons.
– Cara, você é frio! - Disse o garçom, e virando-se para os fregueses do bar, exclamou. – Ei, pessoal, temos aqui um cara com o coração frio pra burro! – Todos pararam o que estavam fazendo e me olharam. – É, esse cara tem o coração de pedra! Acreditam que não sente nem um pingo de dó do Johnny?! – Houve um burburinho. Pude ouvir quando uma dona que bebia sozinha num canto do bar fez “Ó!”. Daí o garçom se afastou e todos voltaram a fazer o que faziam. Que dizer, não faziam muito, basicamente bebiam suas cervejas.
Levantei minha cerveja e virei uma boa mamada, goela abaixo. Matei meia garrafa. Tomei ar e matei a outra metade. Fiz sinal para o garçom, ele se aproximou. Dessa vez pedi logo duas, assim evitava ao máximo fazer com que ele se aproximasse de mim.
Estava concentrado em minhas cervejas, quando percebi que alguém sentou-se ao meu lado, dois lugares depois de mim, à direita. Não olhei, continuei concentrado em minha cerveja.
- Cara. – Disse o sujeito sentado ao meu lado, mas fingi não ouvir. Ele, então, chamou mais alto. – Cara! – Não havia outro jeito, tive que olhar. Era o tal do Johnny.
- Cara, você é frio.
- Andam dizendo que sim.
- Você tem coração de pedra...
- É.
- ... E eu não gosto de você.
- Tudo bem, não é a primeira pessoa que diz não gostar de mim. E no final das contas é mais fácil não gostar do que gostar.
- Quer dizer que não se importa que os outros não gostem de você?
- As pessoas já gastam tempo suficiente gostando da TV.
- Você é frio, cara, e me parece meio louco, também. – Daí ele se virou para os fregueses do bar e disse. – Ei, pessoal! Esse cara aqui disse que não liga a mínima se vocês não vão com a cara dele! – De novo um burburinho. E de novo um “Ó!” veio do fundo do bar. Eu nada disse, emborquei minha cerveja e dei uma mamada daquelas, melhor que a primeira. Quando terminei de mamar na cerveja o sujeito já tinha caído fora.
Na outra ponta do balcão, à direita, estava um casal, haviam recém chegado ao bar. Ele ficava dizendo coisas para ela, e acariciando o braço esquerdo dela, do punho até o cotovelo, depois descia de volta até o punho, e novamente fazia o caminho de volta ao cotovelo. Ela apenas ria e emborcava seu conhaque com gelo. Ele pedia mais e mais conhaque, não deixava o copo dela vazio um minuto. E ela ria, e ria, e derrubava o conhaque pela goela.
Voltei a me concentrar em minha cerveja. E segui o resto da noite ali bebendo, solitário do jeito de dava.
Já era bem tarde da madrugada quando paguei minha conta e saí. Na verdade o dono do bar colocou todo mundo para fora, então acabamos saindo todos juntos.
Entrei no Fusca do Amor, dei a partida, engatei a primeira e acelerei.
Logo à frente, caminhando pela calçada, encontrei o casal que estava no bar. Ele continuava dizendo coisas para ela e alisando o braço dela, e ela continuava rindo. Parei do lado deles e fiquei observando. Ela me viu e sorriu para mim, daí eu gritei para ela, - Ei, baby, sabe que você se parece com a Janis Joplin? Você é a Janis Joplin? – Ela, então, abriu ainda mais o sorriso e cambaleou em minha direção. Foi aí que o cara me olhou, e olhou para ela. – Deixa eu ir com ele, sou a Janis Joplin! – Disse ela para ele. – Janis, entre no meu carro. – Eu disse para ela. O sujeito, então, se enfureceu e bradou. – Cai fora, cara, ela está comigo! - Ela continuava cambaleando, e rindo. – Cai fora! – Gritou o sujeito.
E foi o que eu fiz, engatei a primeira e acelerei. Cheguei em casa, me joguei na cama, mas não dormi, fiquei ali em silêncio, pensando, ainda com vontade de beber cerveja.