sábado, 28 de junho de 2014

Do inverno.

o plano perfeito de hoje
era mais um daqueles
de pé quebrado,
que eu acabo abandonando
pelo caminho.

e me dando mal.

a culpa é da chuva.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Vicissitudes máximas.

Passava das três da madrugada, e essa mulher caminhava sozinha pela calçada. Chovia um pouco. Fazia um pouco de frio, também. Já tinha sido uma noite e tanto, aquela, mas concluí que um pouco mais de emoção não me faria mal. Encostei o Fusca do Amor na calçada e parei bem ao lado dela. Ela parou e me olhou, sem dizer nada. Entra aí, te dou uma carona, disse a ela. Ela nada disse, apenas deu a volta e parou ao lado da porta do carona. Puxei a maçaneta e abri a porta para que ela entrasse. Ela entrou e fechou a porta. Continuou em silêncio. Não me olhava, permanecia quieta olhando fixamente para frente. Ela não era nada mal, tinha lábios cheios de sangue e uma convicção compenetrada no olhar que por si só já fazia todo o restante valer a pena. Liguei o rádio, engatei a primeira e partimos.

- Baby, o que fazes sozinha na rua uma hora dessas?
- Briguei com meu marido, aquele filho-da-puta. Quis me matar com uma faca, olhe. – Ela esticou o braço direito na minha frente e pude ver um belo talho de faca. Tinha um pouco de sangue seco, também.
- Por Deus! Baby. O que você fez de errado?
- Nada. Não fiz nada.
- Mas ele quase te matou.
- Ele se deu mal, isso sim.
- Ah é?
- Consegui cravar uma punhalada naquele filho-da-puta. Em cheio, na barriga. Caiu no chão como um garotinho indefeso, gemendo de dor. Resolvi sair de casa para arejar a cabeça. Você fuma?
- Fumo. – Respondi. Ela, então, tirou um cigarro de sua bolsa e acendeu. E depois, gentilmente, pôs o cigarro nos meus lábios. Pude sentir delicadeza e ternura misturados com o sereno da madrugada. Segui dobrando esquinas. Avistei um bar aberto e encostei.

Os heróis não vêm do céu. Nenhum deles.

Entramos. O bar cheirava à dor, ou indecência, ou morte. Não sei dizer ao certo. Pedi quatro latas de cerveja. Que em seguida vieram e foram postas sobre a mesa. Abri uma, ela outra.

- Como se chama?
- Alvarêz.
- Nunca vi um nome desses. – Disse ela e seguiu entornando sua cerveja.
- Alvarêz Dewïzqe.
- Que nome é esse?
- Polonês. Meus pais eram poloneses. Dewïzqe é um sobrenome polonês. Alvarêz não, é colombiano. Antes de virem para o Brasil meus pais passaram algum tempo na Colômbia. Depois que minha mãe engravidou eles vieram para o Brasil, e como conheciam pouco daqui, resolveram pôr Alvarêz, que foi um nome que eles acharam legal.
- Você é estranho.
- Ó! Obrigado!
- Isso foi um elogio?
- As pessoas costumam me dizer isso. Eu gosto.

Ela riu e abriu a segunda. Matei minha primeira, também, e investi na segunda, também. Ela tirou um cigarro e acendeu. Em seguida pôs em meus lábios. Depois acendeu um para ela, também. Olhei o talho em seu braço, nada mal, um dos bons, uma lembrança para toda a vida. Ela poderia estar morta a essa hora e eu nem saberia. Certamente, àquela hora, havia um punhado de outras mulheres que não tiveram a mesma sorte. Um dia serei eu, e depois você; e os televisores, nem por isso, irão deixar de passar as mesmas novelas, políticos não irão deixar as falsas promessas, igrejas continuarão inchadas de preces estúpidas.

A cerveja irá perdurar até o fim dos tempos. Bote fé.

Ela pegou a lata suada e deslizou por todo o corte, para cima, para baixo. O sangue seco se misturou com a água e parecia como se o sangue tivesse brotado novamente. Fiz sinal para o garçom e ele trouxe mais quatro.

- Sangue combina com o que?
- Com fogo.
- Fogo, mesmo?
- Que combina com amor. Que combina...
- ... Com agonia e gloria.
- É. Você é legal.
- Você é estranho. E legal. Tem medo da morte?
- Não. Tenho medo da não-vida.
- Como assim?
- Deixa pra lá. Gosta de chupar?
- Hum?
- Chupar pintos?
- Nunca chupei um. Nem de meu marido. Nem de meus amantes.
- Houve muitos?
- Amantes?
- Isso.
- Sempre que meu marido me apronta alguma. Saio de casa e cato algum na rua, para me divertir um pouco. – Ela disse isso e se virou para trás numa gargalhada. Vi que seu pescoço era todo marcado com cicatrizes. Entornei um bom gole e gargalhei com ela.

Um cara levantou de sua mesa e seguiu cambaleante até o banheiro. De onde estávamos, era possível ouvir a maneira como vomitava forte, sem parar, sem parar. Depois silêncio, não se ouvia mais nada vindo do banheiro. Nem descarga, nem ninguém saindo de lá.

Estiquei-me e beijei sua boca. Ela apenas fechou os olhos e retribuiu, jogando sua língua de serpente para dentro de minha garganta. Fui até o balcão, peguei mais quatro com o garçom, paguei as doze, puxei ela pela mão e fomos para fora. Entramos no Fusca do Amor, dei a partida e seguimos. Virei à esquerda na bifurcação e segui pela estrada de terra. Eu conhecia o caminho, era o menos esburacado.  Encostei numa rua escura qualquer e me joguei para cima dela. Ela segurou minhas bolas e eu botei uma de suas grandes tetas para fora. (...). Garanti espaço e ela montou. (...). Eu vim e ela junto, no embalo. (...) Por Deus! Ela sacava do negócio.

Ainda tivemos tempos para mais uma, antes de o sol aparecer.

Guiei o Fusca do Amor até o endereço dela. Ela pediu meu número e eu inventei um número qualquer. Ela prometeu me ligar. Eu disse que seria muito bom se ela ligasse.


Não sei se o marido dela sobreviveu à facada. Abri o jornal do dia seguinte, mas pulei as páginas policiais. Fui direto aos classificados. Escolhi o nome mais bonito, Lílian, e disquei.